"Alguns artistas ultrapassam a popularidade adquirida com seu trabalho e tornam-se sua melhor arte. Frida Kahlo pintou sua própria face um sem número de vezes no corpo de uma obra intensamente autoreferencial. Teatralizou sua própria existência. Foi a expressão maior de luta e superação, mesmo trazendo consigo as maiores dores - físicas e existenciais. No lugar do luto, vestiu-se de cores. Ao desconstruir o 'mito Frida' e revelar sentimentos de uma mulher que carregou em si tantas dores, a peça procura falar da importância de reinventar eternamente o espaço que ocupamos no mundo. Da necessidade de refletir sobre o amor, a arte e as escolhas que fazemos na vida".
O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, resume as premissas essenciais que deram origem a "Frida Kahlo - A Deusa Tehuana", em cartaz no Teatro Glaucio Gill. Luiz Antonio Rocha e Rose Germano respondem pela dramaturgia, livremente inspirada no diário e na obra da pintora. Luiz Antonio Rocha também assina a direção, cabendo a Rose Germano interpretar as personagens Dolores Olmedo Patiño (1908-2002) e Frida Kahlo (1907-1954).
Monólogo não biográfico, o texto se inicia com Dolores Olmedo falando de sua relação com Diego Rivera (1886-1957), maior pintor e muralista mexicano, com quem teve uma relação amorosa e de quem tornou-se amiga. Graças a seu poder econômico e influência social, Dolores foi a principal responsável pela preservação de grande parte do acervo de Rivera e de Frida, com quem não mantinha relações muito amistosas.
Em seguida, é Frida quem assume o protagonismo, e então a personagem fala basicamente de suas graves mazelas físicas, tabagismo, alcoolismo e de sua relação com Rivera. E o que me parece fundamental destacar, como implícito no parágrafo inicial, é a valorização que a personagem faz da vida, sua permanente luta contra tantas e diversificadas dores. Ao invés de entregar-se ao papel de vítima, Frida inventa uma outra persona, colorida e exuberante. E através de suas reflexões sobre os temas mencionados, tudo leva a crer que a plateia deixe o teatro acreditando sempre e cada vez mais na vida.
Com relação ao espetáculo, Luiz Antonio Rocha impõe à cena uma dinâmica essencialmente corajosa. E por coragem entenda-se uma clara disposição de valorizar todos os conteúdos, sem nenhuma preocupação em estabelecer qualquer sintonia com o acelerado ritmo de nosso tempo. Um exemplo: a cena em que a atriz se despe da personagem Dolores e encarna Frida. Essa troca de identidade e de figurino é feita de forma quase que ritualística, no mais absoluto silêncio, sem nenhuma pressa, e nem por isso testemunhei algum sinal de enfado ou impaciência em qualquer espectador.
E essa não-preocupação em imprimir ritmo à montagem, no sentido tradicional do termo, é que possibilita uma visceral aproximação com todos os sentimentos e reflexões em jogo. Afora o fato, naturalmente, do encenador criar marcas muito expressivas e explorar com grande sensibilidade todas as possibilidades da bela cenografia de Eduardo Albini, composta basicamente de três cadeiras, uma longa mesa e algumas molduras.
No tocante à performance de Rose Germano, estamos diante de uma atriz que reúne uma série de preciosos predicados, tais como forte presença cênica, grande carisma, voz poderosa, impecável trabalho corporal e notável capacidade de entrega. Sem dúvida, uma das atuações mais significativas de 2014, e que me faz desejar que o presente espetáculo cumpra longa e mais do que merecida temporada.
No complemento da ficha técnica, o já citado Eduardo Albini também responde por impecável direção de arte e deslumbrantes figurinos, a mesma excelência presente nas contribuições de Aurélio de Simoni (iluminação), Marcio Tinoco (trilha sonora), Norberto Presta (direção de movimento) e Ton Hyll (visagismo). Cabe também destacar a ótima participação do violonista Pedro Silveira.
FRIDA KAHLO, A DEUSA TEHUANA - Dramaturgia de Luiz Antonio Rocha e Rose Germano. Direção de Luiz Antonio Rocha. Com Rose Germano. Teatro Glaucio Gill. Sábado, domingo e segunda às 20h.
A Frida que eu vi ontem no teatro não é a Frida dos posters, não é a Frida das almofadas, das tatuagens, das capinhas de iPhone e das camisetas da feirinha. A Frida que eu vi no teatro é a Frida que não tem a menor obrigação de ser feliz o tempo todo e, aliás, é a que não tem vergonha de dizer que sofreu a maior parte do tempo. Mas não é a Frida que se lamenta e sente pena de si mesma pra comover os outros, eu vi a Frida que debocha da própria dor e que só não prefere morrer porque não quer que alguém sofra de saudade. Eu vi a Frida do pé gangrenado, do ventre oco, dos três abortos e da cela de couro no tórax. Eu vi a Frida que bebe, fuma, arrota e ama intensamente um homem - e também algumas mulheres. Eu vi a Frida que é tímida para explicar os próprios quadros e que se diverte sozinha assistindo ao Gordo e o Magro. Eu vi tanta Frida que só você indo pra ver. A peça ainda não tem patrocínio e quanto mais gente indo lá prestigiar no Teatro Glaucio Gill, melhor. Porque quem gosta da Frida Kahlo até gosta dela no cartaz colorido do poster pronto da internet a R$39,90, mas gosta ainda mais de vê-la fazendo sucesso em cartaz no teatro. VOEM ALTO, VOEM MUITO!
ResponderExcluirQual os nomes das músicas recitadas e cantadas no monólogo?
ResponderExcluirOlá Pessoal, as músicas são:
ResponderExcluir- La nothe de mi amor
de Dolores Duran
- La LLorona
de Chavela Vargas