sábado, 29 de novembro de 2014

SENSÍVEL E CORAJOSA MONTAGEM Lionel Fischer



"Alguns artistas ultrapassam a popularidade adquirida com seu trabalho e tornam-se sua melhor arte. Frida Kahlo pintou sua própria face um sem número de vezes no corpo de uma obra intensamente autoreferencial. Teatralizou sua própria existência. Foi a expressão maior de luta e superação, mesmo trazendo consigo as maiores dores - físicas e existenciais. No lugar do luto, vestiu-se de cores. Ao desconstruir o 'mito Frida' e revelar sentimentos de uma mulher que carregou em si tantas dores, a peça procura falar da importância de reinventar eternamente o espaço que ocupamos no mundo. Da necessidade de refletir sobre o amor, a arte e as escolhas que fazemos na vida".
O trecho acima, extraído do release que me foi enviado, resume as premissas essenciais que deram origem a "Frida Kahlo - A Deusa Tehuana", em cartaz no Teatro Glaucio Gill. Luiz Antonio Rocha e Rose Germano respondem pela dramaturgia, livremente inspirada no diário e na obra da pintora. Luiz Antonio Rocha também assina a direção, cabendo a Rose Germano interpretar as personagens Dolores Olmedo Patiño (1908-2002) e Frida Kahlo (1907-1954).
Monólogo não biográfico, o texto se inicia com Dolores Olmedo falando de sua relação com Diego Rivera (1886-1957), maior pintor e muralista mexicano, com quem teve uma relação amorosa e de quem tornou-se amiga. Graças a seu poder econômico e influência social, Dolores foi a principal responsável pela preservação de grande parte do acervo de Rivera e de Frida, com quem não mantinha relações muito amistosas.
Em seguida, é Frida quem assume o protagonismo, e então a personagem fala basicamente de suas graves mazelas físicas, tabagismo, alcoolismo e de sua relação com Rivera. E o que me parece fundamental destacar, como implícito no parágrafo inicial, é a valorização que a personagem faz da vida, sua permanente luta contra tantas e diversificadas dores. Ao invés de entregar-se ao papel de vítima, Frida inventa uma outra persona, colorida e exuberante. E através de suas reflexões sobre os temas mencionados, tudo leva a crer que a plateia deixe o teatro acreditando sempre e cada vez mais na vida.
Com relação ao espetáculo, Luiz Antonio Rocha impõe à cena uma dinâmica essencialmente corajosa. E por coragem entenda-se uma clara disposição de valorizar todos os conteúdos, sem nenhuma preocupação em estabelecer qualquer sintonia com o acelerado ritmo de nosso tempo. Um exemplo: a cena em que a atriz se despe da personagem Dolores e encarna Frida. Essa troca de identidade e de figurino é feita de forma quase que ritualística, no mais absoluto silêncio, sem nenhuma pressa, e nem por isso testemunhei algum sinal de enfado ou impaciência em qualquer espectador.
E essa não-preocupação em imprimir ritmo à montagem, no sentido tradicional do termo, é que possibilita uma visceral aproximação com todos os sentimentos e reflexões em jogo. Afora o fato, naturalmente, do encenador criar marcas muito expressivas e explorar com grande sensibilidade todas as possibilidades da bela cenografia de Eduardo Albini, composta basicamente de três cadeiras, uma longa mesa e algumas molduras.
No tocante à performance de Rose Germano, estamos diante de uma atriz que reúne uma série de preciosos predicados, tais como forte presença cênica, grande carisma, voz poderosa, impecável trabalho corporal e notável capacidade de entrega. Sem dúvida, uma das atuações mais significativas de 2014, e que me faz desejar que o presente espetáculo cumpra longa e mais do que merecida temporada.
No complemento da ficha técnica, o já citado Eduardo Albini também responde por impecável direção de arte e deslumbrantes figurinos, a mesma excelência presente nas contribuições de Aurélio de Simoni (iluminação), Marcio Tinoco (trilha sonora), Norberto Presta (direção de movimento) e Ton Hyll (visagismo). Cabe também destacar a ótima participação do violonista Pedro Silveira.
FRIDA KAHLO, A DEUSA TEHUANA - Dramaturgia de Luiz Antonio Rocha e Rose Germano. Direção de Luiz Antonio Rocha. Com Rose Germano. Teatro Glaucio Gill. Sábado, domingo e segunda às 20h.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

"Pensaram que eu era surrealista, mas nunca fui. Nunca pintei sonhos, só pintei a minha própria realidade." Frida Kahlo


CRITICA



Critica Teatral

por Rodrigo Monteiro


Uma abordagem madura de Frida Kahlo

“Frida Kahlo, a Deusa Tehuana” é um espetáculo difícil, mas isso não faz dele uma peça ruim. É preciso somente estar preparado para o que ver, pois, diferente do mais comum, essa não é nem uma biografia da pintora mexicana, nem nela se verão seus quadros mais famosos. Com direção de Luiz Antonio Rocha e com interpretação de Rose Germano, nessa produção em cartaz no Teatro Glacio Gill, está disposto o pensamento da artista livremente inspirado no diário escrito por ela. Em termos de encenação, o melhor é a coragem com que a direção combate a perigosa monotonia: os tempos são longos e as imagens essencialmente fixas, de forma que as cenas deixam clara a intenção de fazer pensar por primeiro. As intenções são muito boas.

A peça começa com o contraponto de Dolores Olmedo Patiño (1908-2002), talvez uma das grandes responsáveis pela popularização da obra de Diego Rivera (1886-1957), de Frida Kahlo (1907-1954), além de outros artistas hispânicos. Dona de uma grande fortuna principalmente em objetos de arte, é de Dolores o mérito pela criação de vários museus e de muitas exposições internacionais que notabilizaram as obras e tornaram seus artistas conhecidos ao longo da segunda metade do século XX. Na juventude, porém, a modelo Dolores foi motivo de discórdia entre Diego e sua terceira mulher, Frida Kahlo. Na dramaturgia do espetáculo aqui em questão, a participação de Dolores dá início à tentativa de humanização da personagem-título, “a deusa tehuana”. O nome da peça se refere à região do istmo de Tehuantepec, o lugar no mundo em que a distância entre os oceanos Pacífico e Atlântico é menor. Coberta de lendas que alimentam a sua cultura através dos séculos, a região, ainda hoje bastante povoada por indígenas, é uma espécie de paraíso idílico muitas vezes pintado por vários artistas mexicanos. Lá ficam as Pirâmides do Sol e da Lua, dois monumentos do século II d. C. que contribuem para a manutenção de diversas lendas sobre a importância do lugar. Seus trajes típicos, característicos daquele povo, foram adotados por Frida Kahlo e são hoje constituintes de sua identidade icônica. De uma forma muito inteligente, entrar no pensamento de Frida através de Dolores é dar o primeiro passo em uma escada ascendente que pode conduzir ao topo.

Na sequência, Frida Kahlo aparece e fala em primeira pessoa. Seu pensamento versa sobre sua condição física, suas limitações, o comportamento da mulher, a visão de mundo a partir daquele início do século XX e principalmente sobre Diego Rivera. Extremamente racional, a dramaturgia impera uma encenação lenta. Os movimentos pelo palco, na direção de Norberto Presta, servem apenas como “respiro” para a reflexão proposta pela personagem protagonista. A trilha sonora de Marcio Tinoco, interpretada ao vivo por Pedro Silveira, e a inserção de um trecho de um filme da dupla o Gordo e o Magro (Stan Laurel e Olivier Hardy), populares no cinema entre os anos 20 e 40, agem também nesse sentido adequadamente. Nesse sentido, o ritmo da direção de Luiz Antonio Rocha é assumidamente lento, possibilitando um envolvimento peculiar com a obra que é raro se considerarmos a profusão de sons, músicas, coreografias e de cores dos musicais que têm dominado a programação de teatro carioca. Por isso, o espetáculo é bem vindo.

Coesa e coerente, Rose Germano apresenta suas personagens com uma tez dura, com expressões que pouco se alteram e com movimentos que aparecem com dificuldade. Em cena, a atriz está adequada à proposta do espetáculo, contribuindo para o tom reflexivo da abordagem. Em seu trabalho, o mais interessante é observar como sua interpretação evita o drama latino e o exagero que superficialmente a estética de Frida Kahlo poderia supor. Diferente da obra da pintora, esse não é um espetáculo surrealista, mas, principalmente pelo tom comedido do trabalho de Germano, uma dissertação com algumas marcas de lirismo. O desenho de luz de Aurélio de Simoni contribui belamente para a viabilização da poética.

Algumas cadeiras, uma longa mesa, muitas molduras de telas vazias e o figurino de Eduardo Albini sustentam a aridez do texto sem invadir-lhe nem lhe corromper felizmente. “Frida Kahlo, a Deusa Tehuana” não é um espetáculo popular, mas uma opção nobre dentre as que estão em cartaz no momento


domingo, 2 de novembro de 2014

Comentário do escritor Francisco Azevedo

“Que peça fantástica! Seu início já surpreende: a mulher que entra em cena com roupa extravagante, de turbante e óculos escuros – andar e gestos afetados que ostentam riqueza e insinuam uma sensualidade há tempos perdida. Com ar de despeito, vai logo dizendo que não fui ali para vê-la – ainda bem, penso comigo. E aí sabemos que se trata da poderosa e polêmica Dolores Olmedo, que sempre esteve envolvida com o homem e o artista Diego Rivera e que, portanto, faz parte da coleção de infernos de nossa Frida Kahlo. A informação traz alívio, é claro. Afinal, o que temos diante de nós é uma mulher artificial, arrogante, visivelmente preocupada com aparências. Nada a ver com Frida. E então, nessa abertura da peça, acontece outra surpresa, desta vez absolutamente arrebatadora: em sensível passe de mágica, Dolores Olmedo se transforma em Frida Kahlo! Aquela mulher, escondida nos panos e na maquiagem, se vai despindo dos tantos “disfarces” até ficar completamente nua. Pronto! Estamos diante da intimidade revelada de Frida Kahlo. Que contraste! A entrega (literalmente de corpo e alma) de Rose Germano à personagem é comovente. E que corpo belíssimo! Um mármore! O momento seguinte em que ela se deita na mesa-cama – e com aquela luz feérica do nosso Aurélio de Simoni – parece quadro célebre do museu do Louvre, um quadro em movimento. 
Difícil dizer, do que mais gostei ou o que mais me impressionou na encenação. Cada cena mais linda e expressiva que a outra. Todas sendo conduzidas por um texto que conta a história e informa sem ser didático... 
O canto no final que nos leva até uma outra Dolores (a divina Duran!) que nos enfeita a noite do nosso bem. A versão em espanhol (“para brindar la noche de mi amor”) ficou linda. O momento final em que ela é coroada! Cereja do bolo. Tudo perfeito: direção, atuação, luz, música, figurino... “Sai do Teatro com minha esposa, encantados, durante o jantar, não falamos de outra coisa.”...


quinta-feira, 23 de outubro de 2014

"O que eu faria sem o absurdo e o fugaz?" Frida Kahlo









FICHA TÉCNICA


IDEALIZAÇÃO  Cia Espaço Cênico
ENCENAÇÃO  Luiz Antônio Rocha
ATRIZ  Rose Germano
MÚSICO  Pedro Silveira e  Diogo Sili
FIGURINO e DIREÇÃO DE ARTE  Eduardo Albini
ASSISTENTE DE FIGURINO  Luna Santos
PINTURA DE ARTE e CENÁRIO  Eduardo Albini
DIREÇÃO DE MOVIMENTO  Norberto Presta
TRILHA SONORA  Marcio Tinoco
LUZ  Aurélio di Simoni
VISAGISMO  Ton Hyll
PROJETO GRÁFICO  Vera Cal e Eduardo Albini (Casa Tamanduá)
FOTO FRENTE  Renato Mangolin
FOTO VERSO  Carlos Cabéra
ASSESSORIA JURÍDICA  Leo Camacho
ASSESSORIA DE IMPRENSA  João Pontes  e Stella Stephany
REGISTRO AUDIOVISUAL  Felipe Rodrigues - Maria Gorda Filmes
MARCENARIA  Ailton Ribeiro
COSTUREIRA  Maria Santa Feitosa
CHAPELARIA  Denis Linhares
BORDADEIRA  Dedeka Laranja
SAPATEIRO  Nieto
CONSULTORIA LEIS DE INCENTIVO  Alexandre Almassy
PRODUÇÃO EXECUTIVA  Flavia Frias
PRESTAÇÃO DE CONTAS  Alexandre Almassy
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO  Luiz Antônio Rocha e Rose Germano
REALIZAÇÃO  Cia Espaço Cênico
DRAMATURGIA  Luiz Antônio Rocha e Rose Germano