Critica Teatral
por Rodrigo Monteiro
Uma abordagem madura de Frida Kahlo
“Frida Kahlo, a Deusa Tehuana” é um espetáculo difícil, mas isso não faz dele uma peça ruim. É preciso somente estar preparado para o que ver, pois, diferente do mais comum, essa não é nem uma biografia da pintora mexicana, nem nela se verão seus quadros mais famosos. Com direção de Luiz Antonio Rocha e com interpretação de Rose Germano, nessa produção em cartaz no Teatro Glacio Gill, está disposto o pensamento da artista livremente inspirado no diário escrito por ela. Em termos de encenação, o melhor é a coragem com que a direção combate a perigosa monotonia: os tempos são longos e as imagens essencialmente fixas, de forma que as cenas deixam clara a intenção de fazer pensar por primeiro. As intenções são muito boas.
A peça começa com o contraponto de Dolores Olmedo Patiño (1908-2002), talvez uma das grandes responsáveis pela popularização da obra de Diego Rivera (1886-1957), de Frida Kahlo (1907-1954), além de outros artistas hispânicos. Dona de uma grande fortuna principalmente em objetos de arte, é de Dolores o mérito pela criação de vários museus e de muitas exposições internacionais que notabilizaram as obras e tornaram seus artistas conhecidos ao longo da segunda metade do século XX. Na juventude, porém, a modelo Dolores foi motivo de discórdia entre Diego e sua terceira mulher, Frida Kahlo. Na dramaturgia do espetáculo aqui em questão, a participação de Dolores dá início à tentativa de humanização da personagem-título, “a deusa tehuana”. O nome da peça se refere à região do istmo de Tehuantepec, o lugar no mundo em que a distância entre os oceanos Pacífico e Atlântico é menor. Coberta de lendas que alimentam a sua cultura através dos séculos, a região, ainda hoje bastante povoada por indígenas, é uma espécie de paraíso idílico muitas vezes pintado por vários artistas mexicanos. Lá ficam as Pirâmides do Sol e da Lua, dois monumentos do século II d. C. que contribuem para a manutenção de diversas lendas sobre a importância do lugar. Seus trajes típicos, característicos daquele povo, foram adotados por Frida Kahlo e são hoje constituintes de sua identidade icônica. De uma forma muito inteligente, entrar no pensamento de Frida através de Dolores é dar o primeiro passo em uma escada ascendente que pode conduzir ao topo.
Na sequência, Frida Kahlo aparece e fala em primeira pessoa. Seu pensamento versa sobre sua condição física, suas limitações, o comportamento da mulher, a visão de mundo a partir daquele início do século XX e principalmente sobre Diego Rivera. Extremamente racional, a dramaturgia impera uma encenação lenta. Os movimentos pelo palco, na direção de Norberto Presta, servem apenas como “respiro” para a reflexão proposta pela personagem protagonista. A trilha sonora de Marcio Tinoco, interpretada ao vivo por Pedro Silveira, e a inserção de um trecho de um filme da dupla o Gordo e o Magro (Stan Laurel e Olivier Hardy), populares no cinema entre os anos 20 e 40, agem também nesse sentido adequadamente. Nesse sentido, o ritmo da direção de Luiz Antonio Rocha é assumidamente lento, possibilitando um envolvimento peculiar com a obra que é raro se considerarmos a profusão de sons, músicas, coreografias e de cores dos musicais que têm dominado a programação de teatro carioca. Por isso, o espetáculo é bem vindo.
Coesa e coerente, Rose Germano apresenta suas personagens com uma tez dura, com expressões que pouco se alteram e com movimentos que aparecem com dificuldade. Em cena, a atriz está adequada à proposta do espetáculo, contribuindo para o tom reflexivo da abordagem. Em seu trabalho, o mais interessante é observar como sua interpretação evita o drama latino e o exagero que superficialmente a estética de Frida Kahlo poderia supor. Diferente da obra da pintora, esse não é um espetáculo surrealista, mas, principalmente pelo tom comedido do trabalho de Germano, uma dissertação com algumas marcas de lirismo. O desenho de luz de Aurélio de Simoni contribui belamente para a viabilização da poética.
Algumas cadeiras, uma longa mesa, muitas molduras de telas vazias e o figurino de Eduardo Albini sustentam a aridez do texto sem invadir-lhe nem lhe corromper felizmente. “Frida Kahlo, a Deusa Tehuana” não é um espetáculo popular, mas uma opção nobre dentre as que estão em cartaz no momento
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